sexta-feira, 11 de junho de 2010

INTRODUÇÃO DAS MEMÓRIAS

Após ter recebido de Portugal um telefonema do meu irmão alertando-me sobre a existência de um grupo dos Antigos Alunos da Escola Industrial de Luanda e logo em seguida ter lido um apelo do José Pedro dos Santos Dias para que se resgatasse a memória da Escola com os depoimentos dos ex-alunos resolvi ingressar nesse grupo e com este trabalho, que espero ser um começo de outros, poderemos ter matéria suficiente para escrever algo interessante em que os nossos filhos e netos terão uma visão do ambiente estudantil da nossa época.
Estou ao dispor de todos vós em receber críticas ou sugestões para melhorar este trabalho, se entenderem que vale a pena mas se alguém se sentir prejudicado com a inserção de alguma fotografia cujo autor desconheço peço que, através do E mail luis.angolano@htmail.com , me contatar a fim de reparar o erro cometido.
Peço-lhes desculpas se nestes relatos, por vezes conterem algumas palavras ou frases diferentes da ortografia de Portugal mas estou radicado no Brasil há 32 anos onde, apesar de a língua falada ser a mesma, há algumas diferenças não só na escrita como no modo de nos expressarmos. Vou tentar dar a minha contribuição para que se possa escrever a história da E.I.L. Naturalmente com o passar dos anos começamos a perder as nossas faculdades de memorização, mas tentarei passar para vocês aquilo que me vier à mente.
São algumas páginas que foram escritas com bastante entusiasmo e muitas das vezes com emoção e, para quebrar um pouco a monotonia da leitura dela foram intercaladas fotos tiradas da Internet, algumas delas conhecidas de todos vós.
Relatarei algumas brincadeiras e relembrarei diversos personagens compostos por professores e alunos que fizeram em determinada época escolar parte da nossa vida.
Nasci no Bairro da Maianga, no dia 8 de Julho de 1934, na Rua António Barroso. Quem se deslocasse da Baixa para a Maianga logo no começo da Rua António Barroso, no lado esquerdo existiam umas casas enfileiradas de construção antiga e foi numa delas que nasci. Com o avançar do progresso mais tarde foram demolidas para no local ser edificado um edifício de apartamentos. Mais abaixo quem descesse a Rua no sentido do Regimento de Infantaria e do lado oposto havia uma grande horta murada conhecida por “Horta do Raposo. Para afastar os intrusos da sua propriedade tinha como “ferramentas” eficazes grandes cães de guarda e serventes que além de cuidarem da horta também eram guardiões. Perdi as contas das vezes que juntamente com amigos da minha idade saltávamos o muro para roubar goiabas. Algumas vezes o guarda incitava os cães a nos perseguir e então era aquela correria infernal que terminava após transpormos o muro. Tenho, ainda hoje, lembranças desse tempo na forma de cicatrizes provocadas pelos cacos de vidros sendo pisados pelos pés descalços.

Mais tarde moramos (ano de 1940) perto da mercearia do sr. Álvaro Dias dos Santos na Rua António Barroso onde o meu pai era proprietário de duas casas e teve como inquilinos um casal com dois filhos cujos nomes eram o Arquimedes, mais tarde agrimensor e o Mário António Fernandes de Oliveira aluno brilhante do Liceu Nacional Salvador Correia que se destacou como escritor e poeta, já falecido em Portugal em 1989. As suas obras, ainda hoje, não são reconhecidas pelo MPLA.
Tive também o privilégio de ter como explicador na disciplina de Matemática o escritor, ensaísta e etnólogo Oscar Ribas. Aos 36 anos de idade tornou-se invisual, mas apesar desse problema ajudou-me bastante com as suas aulas particulares. Morava no Bairro da Maianga perto da linha férrea numa casa modesta. Havia uma estação dos caminhos de ferro perto do Largo da Maianga que muita gente não conhecia outra na baixa perto da Câmara Municipal. Cheguei a presenciar o corpo mutilado de um homem que tinha sido atropelado pelo comboio tendo a cabeça e os braços jogados longe do tronco.
Morei perto da propriedade do sr. Miguel e perto da mercearia Álvaro Dias numa casa de madeira com uma horta onde eram cultivadas hortaliças que depois de colhidas eram dispostas num tabuleiro que o servente com ele apoiado na cabeça percorria o bairro vendendo de porta em porta. O produto da venda tinha como destino o pagamento do salário do servente e para ajudar a pagar as despesas da casa porque o salário que o meu pai recebia como sub-chefe da Polícia era insuficiente.De vez em quando a família levantava-se cedo, normalmente aos Domingos, e devidamente municiados com um farnel íamos a pé até à Praia do Bispo atravessando a Horta do Hospital terreno abandonado situado por detrás do Hospital Maria Pia. Algumas vezes corria a notícia de que alguém tinha sido eletrocutado por um fio de alta tensão que por ali passava, mas que derrubado por ventanias fortes fora pisado ou agarrado por alguém que por ali passara. Esse fato era objeto da curiosidade da população local que ali ocorriam para presenciar a cena.
Havia pardais e rolas esvoaçando e pousando nos galhos das árvores e no chão. A criançada munidas de figas abatia com pontaria certeira algumas destas aves para serem assadas na brasa. Coisas de crianças.
Chegados á Praia do Bispo uma pedra banhada pelas águas do mar que nos servia de trampolim nos deliciávamos tomando banho e mergulhando da pedra. Nesse local houve muitos afogamentos.
Muitas vezes após uma chuvarada forte a criançada deslocava-se ao Rio Seco brincando com as águas barrentas que vinham dos lados das barrocas do Regimento de Infantaria e Companhia Indígena (passados alguns anos essa região deu origem ao Bairro Alvalade). As águas pluviais deslocavam-se para a Samba através do canal natural formado pela erosão das terras provocada pela correnteza.
Na Maianga, perto do morro, uma cacimba conhecida por “Cacimba da Maianga” também era local para as nossas brincadeiras. Essa cacimba de construção antiga, tinha internamente uma escada em concreto que dava acesso a uma laje onde podíamos admirar a água captada dentro dela se não estou em erro um pouco salobra. Muita gente humilde da periferia abastecia-se dessa água e algumas vezes com a falta de água na rede de abastecimento das casas o garrafão era usado para suprir essa lacuna.
Estudei na Escola Primária José de Anchieta, em Luanda na Cidade Alta perto do Asilo D. Pedro V e Igreja Nossa Senhora da Conceição.
Neste período fiz parte da Organização Nacional Mocidade Portuguesa mais conhecida como Mocidade Portuguesa, organização criada pelo regime salazarista que obrigatoriamente todos os alunos e alunas dos estabelecimentos de ensino deveriam pertencer a partir dos sete anos de idade. Quando aluno na Escola Industrial de Luanda continuei freqüentando esta organização mas já nas Milícias da Mocidade Portuguesa tendo como comandante o capitão Rebocho Vaz que mais tarde como major foi comandante na Escola de Quadros Militares e depois com o posto de tenente coronel desempenhou o cargo de Governador Geral de Angola. Na Milícia tinhamos além de ordem unida, treinamento no manejo e tiro de armas ligeiras que me proporcionou bastantes conhecimentos úteis quando convocado para o Curso de Sargentos Milicianos.
Estudei em Nova Lisboa no Colégio D. João de Castro cujos proprietários e diretores eram os professores sr. Cabral e a D. Ana, sua esposa. Após 2 anos em Nova Lisboa a família voltou para Luanda tornando-me aluno do Colégio Portugal que funcionava perto da Igreja Nossa Senhora da Conceição, na Cidade Alta. Morava no Morro da Maianga naquele muceque encostado à Avenida do Aeroporto, não existente na época onde todos os dias eu e a minha irmã Selizia fazíamos a caminhada a pé na ida para o Colégio e na vinda para a casa sendo este trajeto o mais dificultoso porque pegávamos aquele sol infernal que provocava o efeito de tremelina, ou seja o ar parecia estar fervendo. Mais uma vez, como quando estudávamos fazíamos o mesmo trajeto obrigatório tanto na ida como na volta a caminho da casa passávamos em frente ao Quartel General. Nas minhas lembranças retive a figura do poeta Thomaz Vieira da Cruz que morava perto do Quartel e no mesmo lado da Avenida numa casa antiga onde muitas vezes o via sentado perto da janela escrevendo. Natural do Ribatejo foi o percursor da literatura angolana.
O Diretor era o sr. Raposo antigo praticante de box, pessoa de mediana estatura, bastante entroncado com braços fortes e peludos. Lecionava matemática e era o terror de todos os alunos. Autentica fera chegava a bater com uma vara comprida de madeira na cabeça ou orelhas ou com a célebre régua “menina dos sete olhos” todos os alunos que não respondessem corretamente às perguntas formuladas ou tivessem notas baixas nas provas. Costumava bater nas nádegas das meninas levantando previamente os vestidos delas cujas faixas etárias beiravam dos 12 anos para cima.
Não sei porquê, apesar de eu ser muito tímido, envolvia-me de vez em quando em confusões. Assim determinado dia não houve aula por ter faltado o professor e então com mais dois colegas aproveitando que as outras aulas estavam funcionando, portanto após o intervalo, entramos no W.C. das meninas que estava um primor de limpeza comparando com o nosso que era uma vergonha de sujeira e urinamos no chão e no assento da bacia . Quando terminamos o serviço e retirávamos do local, fomos vistos por uma colega que se monstrou bastante surpresa. Ela comunicou na Secretaria o que tínhamos feito e o estado que se encontrava essa dependência o sr. Raposo tomando conhecimento chamou-nos para uma sala e aí desenrolou-se um festival de pancadaria.
Houve mais peripécias como aquela que, em combinação com os colegas, interrompíamos a aula solicitando ao professor autorização para irmos à casa de banho, um de cada vez. Quando chegou a minha vez e autorizado pelo professor abri a porta da sala fui recebido por uma violenta bofetada no rosto que ficou marcado com os dedos da fera, sr. Raposo. Dei meia volta entrei na sala recebendo dos colegas risos mal contidos.
Tínhamos também o lado bom que era proporcionado pela professora de ginástica que de vestido, circulava por nós deitados no chão de rosto para cima, tentando corrigir algum exercício mal executado.
Certo dia o meu pai incumbiu-me de me deslocar para os lados do Liceu Nacional Salvador Correia a fim de tratar de um assunto pessoal e no trajeto senti uma dor insuportável na barriga e dificuldade em caminhar. Fui examinado no Hospital Maria Pia onde determinaram a minha internação.
Durante os dois meses de internação fui submetido a duas operações cirúrgicas.
Em uma das visitas dos meus familiares o meu pai deu-me um recado que me deixou bastante triste, choroso e apreensivo. Tencionava tirar-me do Colégio Portugal, onde frequentava o 3°. ano Liceal e matricular-me na Escola Industrial. Nunca tinha ouvido falar nessa Escola que segundo o meu pai eu iria aprender uma profissão técnica.
Após ter alta do Hospital e acompanhado por ele fui matriculado nessa Escola autorizado pelo Serviços de Educação pois tive que ser transferido do Curso Liceal para o Curso Técnico.Naturalmente com as mesmas dificuldades e anseios, mas foi sempre uma luta que perdura até hoje, a Escola Industrial de Luanda preparou-me para ser um cidadão responsável em todos os aspectos tanto no campo familiar como no profissional e assim sendo procuro relacionar-me com todas as pessoas mesmo que elas não tenham os mesmos pensamentos que os meus mas respeitando-as como são.
Aprendi que os problemas que me poderiam aparecer no dia a dia sómente eu teria capacidade de os resolver por mais difíceis que fossem. As dificuldades não vão deixar de existir mas nunca devemos deixar de lutarmos para não sermos derrotados.
Com esse propósito consegui superar sempre qualquer barreira que apareceu na minha vida.

3 comentários:

  1. Excelente relato histórico. parabéns!

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  2. Também vivi na Maianga.Nasci um pouco mais tarde-1945.Li com ternura e emoçâo este relato,pois situei-me de algum modo,nele: vivi na Maianga junto ao rio seco, num bairro pequenino,cujas casas eram cobertas por "telha à vista" e estavam normalmente nas paredes as boas osgas que, comiam os mosquitos e que nos livravam de algumas picadelas...Recordo-me ainda da Horta do senhor raposo e do sabor único das goiabas...algumas compradas
    ,outras roubadas quando alguém distrai os cães,o que não era nada fácil.Esqueci-me de identificar exatamente o local onde passei toda a minha infancia;eram as casas de um senhor já de muita idade na altura a quem chamavam o velho Pais.Fiz
    o meu exame da 4ª classe na Escola José Anchieta e frequentei o antigo Liceu Feminino na Cidade Alta.Se alguém,claro,com boas recordações deste tempo ,desejar partilhar comigo momentos que terão sido únicos ,eu ficarei feliz e aguardo...

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