sexta-feira, 11 de junho de 2010

Escola Industrial de Luanda (1949 a 1952)



Prédio da Alfandega de Luanda
(Foto publicada por José Pedro em 15/02/2004)

Foi criada a 17 de Outubro de 1945 e o objetivo da criação dela era fornecer ao mercado de trabalho mão de obra qualificada. O Sr. Martins dos Santos escreve no seu artigo CULTURA, EDUCAÇÃO E ENSINO EM ANGOLA, edição digital que “embora não tenhamos conhecimento exacto e concreto dos objetivos previstos, não está fora de lógica a hipótese de que tivesse a finalidade de preparar empregados para os serviços alfandegários”. Com todo o respeito não concordo com a opinião expressa mas sim que era hora de o mercado começar a absorver técnicos com escolaridade e preparação suficiente para ocuparem cargos de responsabilidade e além disso as empresas poderiam dispor de mão de obra mais capacitada.
Em 1949 a Escola deixou de ser administrada pela Alfândega passando a ser denominada Escola Industrial de Luanda ( E. I. L. ) onde foi regida por um Conselho de Administração composto por:
- Eng°. Manuel Gonçalves de Sousa Alegria
- Dr. Francisco de Morais Caldas
- Dr. Olívio da Costa Carvalho

O Dr. Olívio da Costa Carvalho seria Diretor da Escola. Desde o funcionamento da Escola até ao final do 3°. ano a maioria dos alunos usavam um uniforme em tecido azul (o mesmo com que são confeccionados os macacões dos mecânicos) composto de camisa e calça com peitilho mas não me lembro se era obrigatório o seu uso. A partir do 4°. ano deixamos de usar esse uniforme definitivamente mas nas aulas de oficina trocávamos a roupa normal pela roupa de oficina.

*) Dados coletados no artigo Cultura, Educação e Ensino em Angola, edição digital do sr. Martins dos Santos

Obs.: Segundo consta no meu Diploma o Curso de Mecânico de Automóveis foi criado pelo Decreto n°. 20.420.
A maioria dos alunos eram oriundos dos bairros periféricos da cidade como o Bairro Operário também conhecidíssimo por BO, Maianga, outros da Ilha de Luanda, Cazenga, Boavista, etc..

Como seríamos os primeiros alunos a enfrentarem um mercado que demonstrava certa desconfiança quanto a nossa preparação técnica sentíamos que o desafio em provarmos o nosso valor, seria imenso. Mais tarde depois de formado senti que essa desconfiança existia e também um certo preconceito dos veteranos mecânicos e serralheiros que se formaram na escola da vida. Águas passadas.

O nosso propósito, incentivados pelos professores, era mostrar para a população em geral que a Escola Industrial é um estabelecimento de ensino direcionado para a área técnica e a nossa contribuição nessa aceitação foi bastante benéfica.

Muitos de nós deslocavam-se para a Escola a pé, outros de machimbombo ou de bicicleta. O meu meio de transporte era o machimbombo e ás vezes pedalava em uma bicicleta do meu pai, marca Raleigh de fabricação inglesa e avançada para a época. Os travões dela eram como os dos automóveis pois estava equipada nos eixos das duas rodas com tambores e um sistema de maxilas forradas com “ferôdo”.

Os machimbombos iam do largo da Mutamba (Foto 2) até aos Bairros e vice versa.

Nos primeiros anos de atividade a escola não era mista, mas após um período de anos esse quadro foi mudado e passaram a ser admitidos alunos de ambos os sexos.

A Escola funcionou durante alguns anos no prédio da Alfândega de Luanda, no piso térreo, com entrada pelo Largo Bressane Leite entre a Rua Direita e a Rua da Alfândega (Foto 1). Ela mostra a fachada principal e em destaque o portão de entrada, modificado que era de madeira maciça pesada com ferrolhos de aço e que dava acesso para um grande pátio. Circundando o pátio, em todo o perímetro do mesmo, havia quatro blocos de construção. Uma pequena rua interna que atravessava esse pátio até ao bloco central do edifício nos fundos dava passagem para o cais de cabotagem através de outra porta que normalmente estava fechada. Esse bloco, na época, não tinha salas e mais tarde também serviu para guardar barcos á vela dos tipos “Sharp”, “Snip” e canoas da Mocidade Portuguesa para as atividades de vela e remo que alguns de nós praticávamos. Assim pratiquei durante um pequeno período, vela onde faziam parte do time os irmãos Violante e fui proa do Palhares.
Nas traseiras da Escola havia uma área cimentada que servia de palco para partidas de futebol.
Do lado direito e esquerdo da rua interna existiam dois cobertos abertos lateralmente onde o do lado direito servia para as atividades de mecânica de automóveis. As oficinas de serralharia e mecânica estavam no bloco do lado direito. A oficina estava apetrechada com uma plaina, dois tornos mecânicos,



uma fresadora, uma serra elétrica, máquinas de solda elétrica e oxiacetilénica, compressor de ar, bancadas além do armário das ferramentas, no fundo.
Uma pequena dependência com cabides servia de vestiário para a troca de roupas de passeio pelo “macacão”. lado esquerdo funcionava o laboratório químico e outras salas de aula, no bloco da entrada do lado direito mais salas de aula e no lado esquerdo funcionava a secretaria. Durante anos o funcionário da secretaria era um senhor natural de Cabo Verde de nome Gomes sujeito magro, alto e que era portador de uma imensa paciência para suportar as nossas travessuras. Ele se encarregava de apertar o botão da campainha para anunciar a hora da entrada ou a saída para o intervalo das aulas ou final das mesmas. Como havia dificuldade em conseguirmos livros técnicos, o sr. Gomes mediante uma pequena remuneração dos alunos datilografava as matérias como Tecnologia Mecânica e Mecânica que muitas das vezes tínhamos dificuldade em ler porque ele colocava de uma só vez os papeis químicos intercalados com papel fino e o batimento do teclado tinha que ser forte para gravar nitidamente as últimas folhas, operação difícil. Quem recebia estas folhas tinha que reavivar alguns caracteres à caneta.



Em 1949 os cursos programados eram os de Serralheiro Mecânico, Mecânico de Automóveis, Técnico Auxiliar de Laboratório Químico e o de Carpintaria. Este, por falta de interessados, não chegou a funcionar.
Como relatado anteriormente eu estava estudando o Curso Liceal, terminado o 2°. ano e fui transferido para o Curso Técnico ingressando no 3°. Ano.
A partir do 3°.ano cada um de nós escolhia o curso que desejava ingressar mas algumas das matérias específicas de cada curso eram dadas em separadas das demais. Assim no curso de Mecânica de Automóveis a matéria relacionada com motores de combustão a gasolina ou diesel, motores de aviação, carburadores, etc., era administrada aos futuros mecânicos. Outras matérias eram administradas para todos como seja Matemática, Português, História, Física e Química, Tecnologia Mecânica, etc.. Tivemos exames no terceiro e quinto anos.
Tínhamos, nos Cursos de Serralharia e Mecânica, praticamente três matérias com a maior carga horária (3 horas diárias) que eram Oficina Mecânica, Serralharia e Desenho de Máquinas.
Fui submetido a exames no 3°.ano nas disciplinas de Português, Matemática e História e no 5°. ano nas disciplinas Desenho de Máquinas, Física e Química, Mecânica, Tecnologia e Oficinas.
Para que os alunos do curso de Mecânico de Automóveis pudessem ter aulas práticas houve a necessidade de se procurar num depósito de carros velhos e sucata do Governo perto da Fábrica de Tabacos Ultramarina uma carrinha que tivesse condições de ser recuperada. Ela sofreu uma remodelação total que nos proporcionou aulas de mecânica, soldadura e pintura. Essa carrinha, mostrada na fotografia transportou-nos em excursão à Fazenda de Bom Jesus onde visitamos as instalações fabris e ainda sobrou tempo para nos divertirmos. Era uma Chevrolet que pintamos na cor vermelha e que, com o andar dos anos, perdeu a cor mas ainda prestou durante algum tempo serviços para a Escola.
A nossa turma de Mecânico de Automóveis também teve algumas aulas de serralharia em conjunto com os colegas do Curso de Serralharia. Nas bancadas aprendíamos a manusear peças que poderiam ser aplainadas na plaina elétrica, outras vezes torneadas, limadas, polidas e forjadas. Os trabalhos feitos durante o ano escolar eram expostos para visitação pública no final do período escolar.
Sentíamos bastantes recompensados ao vermos o público e os nossos familiares tomarem conhecimento dos trabalhos executados durante aquele ano letivo.
Nas pequenas férias escolares fizemos estágios nas oficinas dos Caminhos de Ferro, empresas de fundição e até nos CTT na estação perto do Bairro dos Correios.
Nas grandes férias escolares eu normalmente trabalhava em oficinas mecânicas sem remuneração porque o meu pai fazia questão de assim exigir dos proprietários delas. Nas sextas-feiras os aprendizes recebiam o pagamento da semana e eu sentia uma grande tristeza em não receber nada pelo meu trabalho. Dentro das nossas atividades éramos obrigados a lavar as peças dos carros, varrer o chão da oficina e levar o lixo até fora do prédio para ser recolhido pelos caminhões do lixo. Vida dura naquela época, mas foi uma opção minha.
Nessa época já havia a preocupação dos alunos de vários estabelecimentos de ensino promoverem competições desportistas entre eles. Assim a Escola Industrial chegou a enfrentar o Liceu Salvador Correia, o Colégio Acadêmico e a Escola Comercial, principalmente nas modalidades de voleibol e basketbol.
A Associação Industrial de Angola, com os escritórios no Palácio do Comércio, costumava premiar os alunos finalistas melhor classificados com um presente que normalmente era um livro técnico. Os primeiros alunos diplomados pela E.I.L. foram homenageados pela Associação Industrial de Angola na séde da mesma, com uma festa de despedida acompanhada com a distribuição de presentes. Fui homenageado com um livro de mecânica de automóveis somente num ano por ter tirado boas notas porque normalmente eu não era um aluno brilhante.

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